A ausência de discernimento como cláusula geral para o reconhecimento da incapacidade civil absoluta e relativa
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Data
2022
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Editor
Faculdade Autônoma de Direito
Resumo
A teoria das incapacidades, apesar de sua finalidade protetiva, é vista como fonte de discriminação e exclusão social, uma vez que foi criada e utilizada historicamente como forma de proteger o patrimônio familiar, revelando o modelo patrimonialista que vigorou até a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. Não bastasse, sempre fora aplicado um modelo geral e abstrato de curatela, caracterizado por suprimir a possibilidade da prática qualquer ato pelo incapaz, sem se analisar as individualidades, necessidades e possibilidades de cada ser. O Estatuto da Pessoa com Deficiência alterou o Código Civil para tratar como absolutamente incapazes apenas os menores de dezesseis anos, considerando como relativamente incapazes: os menores entre dezesseis e dezoito anos, ébrios habituais, viciados em tóxicos, os pródigos e todos que não conseguirem manifestar vontade. Ocorre que existem pessoas maiores de dezesseis anos que não são capazes de manifestar qualquer indício de vontade e necessitam da aplicação de um sistema protetivo, destinado aos absolutamente incapazes, trata-se de uma rede de dispositivos protetivos em toda legislação, em especial no Código Civil. Estas pessoas necessitam, também, de um curador com poderes mais amplos de representação, podendo excepcionalmente alcançar atos existenciais, caso não tenham se manifestado anteriormente a respeito de questões existenciais ou tratamentos médicos e não tenham condições de compreender e se posicionar em face destas questões. Tal possibilidade não implica na eliminação da atuação da pessoa, conferindo exclusivamente ao curador a possibilidade de atuação, pelo contrário, a princípio a atuação deve ser restrita aos atos negociais de natureza patrimonial e os limites da curatela devem ser individualizados, flexíveis e alcançar apenas o necessário para suprir a vulnerabilidade de cada indivíduo. A capacidade civil é a regra para os maiores de dezoito anos, de modo que, com exceção das hipóteses de incapacidade civil em virtude da idade, o reconhecimento judicial da incapacidade civil deve ter como único pressuposto a ausência ou a limitação do discernimento, previsto na lei através de cláusulas gerais de incapacidade civil absoluta e relativa. Não deve o legislador prever hipóteses específicas de incapacidade, tal como os ébrios habituais, os viciados em tóxicos e os pródigos, sob pena de gerar discriminação e exclusão social, tal como ocorria com as pessoas com deficiência. Somente é possível concluir pela incapacidade se a pessoa, por algum motivo, não apresentar aptidão para compreender os fatos ao seu redor e se posicionar diante deles, o que pode decorrer do desenvolvimento de doenças, acidentes, uso contínuo de álcool ou substâncias entorpecentes, assim como pode ter origem em deficiência mental ou intelectual ou em inúmeros outros fatores. O que não se admite é estabelecer a incapacidade civil a priori, tal como ocorria com a deficiência até a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Uma vez reconhecida a limitação cognitiva da pessoa, deve o juiz estabelecer se se trata de incapacidade absoluta, se a ausência de discernimento for total, ou relativa, se a pessoa for capaz interagir com o meio externo, ainda que com limitações. Uma vez verificada a ausência de discernimento da pessoa, deve ser reconhecida a incapacidade civil absoluta, atraindo a aplicação de diversas normas protetivas dos direitos desta pessoa, mas o estabelecimento da curatela deve ser sempre personalizado, com os limites estabelecidos caso a caso, de acordo com as necessidades e possibilidades de cada um e, a princípio, restrita à assistência nos atos patrimoniais. Somente em casos extremos em que a pessoa não apresenta discernimento é que o curador poderá praticar, de forma excepcional, atos existenciais para salvaguardar direitos da personalidade do interessado. O método utilizado na elaboração deste trabalho é a pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos, teses, legislação em vigor e jurisprudência, sempre buscando apresentar uma análise crítica dos dados levantados com a pesquisa.
Descrição
Palavras-chave
Capacidade, Personalidade, Curatela, Interdição, Tomada de Decisão Apoiada
Citação
CARDOSO, Marina Araújo Campos. A ausência de discernimento como cláusula geral para o reconhecimento da incapacidade civil absoluta e relativa São Paulo (SP), 2022. 128 f. Tese (doutorado) - FADISP, São Paulo, 2022.